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início
Eu curto poesia. E você?
senhor da luz

O Senhor da Luz

Era uma vez alguém que sonhou ser o senhor da luz...
Buscando o poder de iluminar por uma estrada onde aprendeu muitas coisas. A cada pessoa ou animal que encontrava perguntava: "Como posso dominar a luz?" Sempre ouvia a mesma resposta: "Não sei". Ao invés de respostas todos que cruzavam seu caminho lhe faziam outras perguntas. Com infinita paciência respondeu tudo que sabia, e o que não conhecia, procurava aprender para ensinar. Anos a fio continuou nesta estrada, seguindo sempre, sem encontrar quem lhe respondesse. Ano após ano deteve seus passos para responder e ensinar quantos encontrasse. Um dia, vendo o fim da estrada próximo, sentou-se desanimado a beira do caminho e principiou a chorar. "De que adiantou todo esse caminhar? Nunca encontrei o que precisava e queria. A todos respondi. Todos ensinei e nunca cheguei a encontrar a luz". Ao olhar em volta viu ao longe, perto do horizonte, aqueles que haviam cruzado seu caminho. Seguiam em diferentes direções em milhares de outras estradas, seguros e firmes com passadas largas. Sentiu-se mais desanimado ainda. Foi então que um jovem se aproximou em silêncio. "Que deseja?". "Não sei mais nenhuma resposta, nada mais tenho a ensinar". O jovem, como se não tivesse ouvido, sentou-se aos seus pés, sorriu e disse: "Me contaram que nesta estrada caminhava o senhor da luz, aquele que com sua paciência, sabedoria e abnegação encontra respostas. Por todos os lugares e caminhos fala-se de seu poder. Vim procurá-lo, agora que o encontrei peço que me ensine a dominar a luz também". E o velho espantado afinal descobriu que tinha encontrado a muito tempo o Dom da Luz.

Ele era o professor.

 

(Autor desconhecido).

definição

Definição

O tempo não é a fonte
Jorrando dois jatos d'água
De uma carranca bifronte.

Não é pesado nem leve
Não é alto nem rasteiro
Não é longo nem é breve.

Nem tampouco o passadiço
Suspenso entre dois vazios
Como frágil compromisso.

O tempo é meu alimento
Meu vestido,meu espaço
Meu olhar, meu pensamento.

Paulo Mendes Campos.

autopsicografia

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira,a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa.

poesia matemática

Poesia matemática

Às folhas tantas
Do livro matemático
Um quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a do ápice à base,
Uma figura ímpar,
Olhos romboides, boca trapezoide,
Corpo ortogonal, seios esferoides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela
até que se encontraram
No infinito
"Quem és tu?", indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos
Mas pode me chamar de hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que , em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos entre si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais.

Nos jardins da quarta dimensão,
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do universo finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O poliedro e a bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo,afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O máximo divisor comum
Frequentador de círculos concêntricos.
Viciosos
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma grandeza absoluta,
E reduziu-a a um denominador comum.
Ele , quociente , percebeu
Que com ela não formava mais um todo,
Uma unidade. Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária
Mais foi então que Einstein descobriu a relatividade
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.

Millôr Fernandes

mater dolorosa

Mater dolorosa

Aqui jaz, com o jornal na mão, se abanando,
a mãe de um vestibulando.
Pouco faz,
alguém lhe passou, flito,
Santo Deus, o gabarito!
Rogai pelos genitores
Na hora dos seus estertores.
O filho, consultado
sobre o provável resultado,
disse que está numa boa.
Tudo a mil,
Céu de anil.
"Não vos grileis, ô coroa!"
E saiu para comemorar, com estranhas,
O ingrato fruto das suas entranhas.
Aqui fenece
com o rádio no ouvido, penando,
a mãe do vestibulando.
E desfalece.
Sua alma é uma folha ótica
rasurada e caótica.
Se tivesse como optar
num sistema de múltipla escolha
antes deste que a quer matar
teria dado a luz a uma bolha.
Não os deixeis cair em prostração enquanto não sair o listão.
O filho, que em vez das matérias
só estudava o que fazer nas férias,
diz que : " Olha aqui, já passei.
Do jeito que está o ensino
só não passa mesmo um cretino
e, de qualquer jeito, eu colei ".
E sai para uma chopada,
deixando a mãe crucificada.
Aqui se arrasta
como uma loba,uivando,
a mãe de um vestibulando.
Junta vizinhos e populares
para ver os seus esgares.
"Esse filho da mãe é um sortudo,
sempre teve apoio e alento
e vai errar quase tudo,
o jumento!"
Livrai-nos do impulso mortal
_estrangular um filho pega mal.
E o filho da mãe , triunfante,
com ar superior e confiante,
disse para a velha : "Relaxa.
Botei tudo coluna do meio
e vou passar sem receio,
este ano a média está baixa".
E sai com aceno de mão
enquanto a mãe estrebucha no chão.

Luis Fernando Veríssimo

este inferno de amar

Este Inferno de Amar

Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma ... quem foi?
Esta chama que atenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há – de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus
Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garrett

perguntas de um trabalhador

Perguntas de um trabalhador que lê

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída,
Quem a ergueu outras tantas?
Em que casa da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritavam pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses.
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Filipe de Espanha chorou quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Uma vitória em cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?
Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava suas despesas?
Tantos relatos.
Tantas perguntas.

Bertold Brecht

desencanto

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento...de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

metade

Metade

E que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos nem a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio...


Que a música que eu ouço ao longe, seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade...


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor,
Que sejam apenas respeitadas,como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que eu calo...


Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço;
Que essa tenção que me corrói por dentro seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão...


Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo, se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, e a outra metade eu não sei...


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço...


Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é a platéia, e a outra metade é canção...


E que a minha loucura seja perdoada,
Porque metade de mim é amor e a outra metade ... também.

Oswaldo Montenegro

lembrança de morrer

Lembrança de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça a dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
-Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobe de um sineiro.

Como o desterro de minh'alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inundam,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei...que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tua mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minha alma cantou e amava tanto,
Projetei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear-me a lousa!

Álvares de Azevedo

ainda uma vez

Ainda Uma Vez - Adeus!

Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.

Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastados,
Houveram-me acabrunhado,
A não lembrar-me de ti!

Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
nas surdas asas do vento,
do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!

Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti,
Mas quase no passo extremo,
No último arfar da esper'ança,
Tu me vieste à lembrança
Quis viver mais e vivi!

Vivi; pois Deus me guardava
Para esse lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés

Mas que tens?
Não me conheces?
De mim afasta teu rosto?
Pois tanto pode o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!

Nem a voz me diriges!...
Julga-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias - bem sei;
Mas lembra-te aqueles feros
Corações que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!

Oh! Se lutei!...mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo a populança
Um alvo aos ditérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pegar-te,
Meus dias unidos aos teus?

Devera, sim; mas pensava
Que de mim t'esquecerias
Que, sem mim, alegres dias
T'esperava; e em favor
De minhas preces,contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu quinhão de dor!

Que me enganei, ora o vejo:
Nada-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;

Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci eu te juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu a ti confiei;
"Ela é feliz " (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha...
Perdoa, que me enganei!

Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde para?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano se desfez!

Enganei-me!...Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano,quem erra,
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser,cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!

Louco julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude !
Que tinha eu bronco e rude
Co'o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Estava em deixar a minha vida
Correr por ti conduzida,
pura, na ausência do mal.

Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora.
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus as eterno a fizeram
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis.

És doutro agora, e p'ra sempre
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te em mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão desse desgosto
Será um crime ante Deus!

Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão! a teus pés curvado
Perdão ...de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar em um breve adeus!

Lerás porém algum dia
Meus versos, d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; - e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiede,
Que chores,não de saudade,
Nem de amor,- de compaixão.

Gonçalves Dias

soneto da fidelidade

Soneto da Fidelidade

De todo ao meu amor serei atento
Antes,e com tal zelo,e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou contentamento.

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte,angústia de quem vive
Quem sabe a solidão,fim de quem ama.

Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal,posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

o homem e a mulher

O Homem e a Mulher

O homem é a mais elevada das criaturas,
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono,
Para mulher, um altar.
O trono exalta,
O altar santifica.
O homem é o cérebro;
A mulher o coração.
O cérebro fabrica luz,
O coração produz o Amor.
A luz fecunda, o Amor ressuscita.
O homem é forte pela razão,
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence,
As lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, é capaz de todos os martírios.
O heroísmo enobrece,
O martírio sublimiza.
O homem tem a supremacia,
A mulher a preferência.
A supremacia significa a força,
A preferência representa o direito.
O homem é um gênio, a mulher um anjo.
O gênio é imensurável,
O anjo é indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória.
A aspiração da mulher é a virtude extrema.
A glória tudo engrandece,
A virtude tudo diviniza.
O homem é um código,
A mulher, um evangelho
O código corrige, 
O evangelho aperfeiçoa.
O homem pensa,
A mulher sonha.
Pensar é Ter no crânio uma larva
Sonhar é Ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano,
A mulher um lago.
O oceano tem a pérola que adorna,
O lago, a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa,
A mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço.
Cantar é conquistar a alma.
O homem é um templo,
A mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos,
Ante o sacrário nos ajoelhamos.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra.
A mulher onde começa o céu.

Victor Hugo

a valsa

A Valsa

Tu, ontem,
Na dança,
Que cansa,
Voavas,
Co'as faces,
Em rosas,
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa,
Tão falsa, Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranquila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Valsavas:
Teus belos
Cabelos,
Já soltos
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias
Pra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela,
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas
Nem falas,
Nem cantos
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...

Casimiro de Abreu

the clod

The Clod and The Pebble

“Love seeketh not itself to please,
Nor for itself hath any care,
But for another gives its ease,
And builds a heaven in hell’s despair.”


So sung a little Clod of Clay,
Trodden with the cattle’s feet,
But a Pebble of the brook
Warbled out these metres meet:

“Love seeketh only Self to please,
To bind another to its delight,
Joys in another’s loss of ease,
And builds a hell in heaven’s despite.”

****************************

O Torrão e A Rocha

“O amor pra si não busca agrado,
Pra si também não tem cautela,
Conforto seu pro outro é dado,
No inferno um céu então modela.”

Assim cantou o Torrão de Terra,
Pisado pelos pés do gado,
Mas uma Rocha no riacho
Achou tais versos gorjeados:


“A Si somente agrada o amor,
Atrela o outro em seu deleite,
Ditoso é na alheia dor,
Inferno faz no céu cedente.”

William Blake - Tradução de Rodrigo Moreira Pinto

(Sugestão da querida amiga Vanessa Góes.)

cantiga

Cantiga para não morrer

 

Quando você for embora
moça branca como a neve,
me leve

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já  viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


Ferreira Gullar

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